Os edifícios no Chiado incluídos no novo alinhamento de ruas e quarteirões do Plano de 1758, embora sejam considerados edifícios pombalinos afastam-se pela presença de bastantes elementos decorativos nas fachadas ao contrário da austeridade e rigidez do design das fachadas dos edifícios da Baixa Pombalina. (Mascarenhas, 2004)
Actualmente os tipos de fachada na zona do Chiado marcam ainda pela presença de fachadas tipo gaiola pombalina com estrutura mista de alvenaria e madeira. Nos edifícios que foram objecto de reconstruções a maioria possui uma estrutura em betão armado mantendo a alvenaria original no exterior, à excepção dos edifícios onde a fachada foi totalmente reconstruída com alvenaria corrente de tijolo cerâmico furado.
A fachada tipo gaiola pombalina
As fachadas tipo gaiola pombalina com estrutura mista de alvenaria e madeira devem-se após o terramoto de 1755 à necessidade de resolução de alguns problemas relacionados com a rapidez da construção, a dimensão da obra e com as preocupações de melhoramento do comportamento sísmico dos edifícios.
Durante a construção destes edifícios devido à sua grande composição estrutural em madeira esta veio a ser designada por gaiola pombalina embora se desconheça a sua origem e não exista nenhum documento que especifique a sua obrigatoriedade foi considerada na época como a mais apropriada à construção.
As fachadas delimitam o exterior dos quarteirões e dos saguões centrais e eram construídas com pedras irregulares aparelhadas com argamassa de cal aérea e fragmentos de pedra ou cerâmica. Estas paredes têm uma espessura ao nível do piso térreo de cerca de 0,90 m, reduzindo de piso a piso. (Fernando Pinho, 2000)
Ao nível do piso térreo as fachadas são ligadas transversalmente por outras paredes de alvenaria de pedra que servem por vezes de paredes meeiras, paredes que dividem os lotes dentro do quarteirão e se prolongam acima do telhado de modo a evitar a propagação do fogo entre edifícios. (Fernando Pinho, 2000)
Nos pisos superiores a fachada é constituída por paredes em alvenaria de pedra com a estrutura em madeira no seu interior, composta de prumos e travessanhos, e as cantarias dos vãos no exterior. Estes elementos são ligados por ensambladuras (encaixes) mais ou menos complexos dependendo de cada edifício e por peças metálicas pregadas na madeira. Os travessanhos ligam-se à parede da fachada por peças de madeira denominadas de mãos que ficam embebidas na alvenaria perpendiculares a esta ou por vezes oblíquas. As cantarias dos vãos são fixas à estrutura em madeira através de peças metálicas chumbadas entre as juntas das cantarias de modo a não serem projectadas para a via em caso de sismo. No último piso as fachadas são rematadas com uma cimalha com beiral. (Mascarenhas, 2004)
A estrutura de madeira no interior da fachada, composta pelos prumos e travessanhos, é interrompida nos vãos por uma verga e pendurais em madeira. A abertura dos vãos na parede de alvenaria é composta por arcos rectos ou archetes de tijolo ou ladrilho cerâmico acima do vão e abaixo da pedra de peitoril. O pano de peito é composto por alvenaria de tijolo de pequena espessura.
Os prumos no interior da fachada são descontínuos à medida que a espessura das paredes diminui de um piso para outro assentando entre duas vigas em peças de madeira denominadas de chincharéis e ligadas na parte superior ao frechal do pavimento superior. (Fernando Pinho, 2000)
No interior as fachadas são travadas por paredes denominadas de frontal constituídas por prumos, travessas e diagonais em madeira, que eram posteriormente preenchidas com uma alvenaria ligeira, constituídas por pequenas pedras e elementos cerâmicos assentes com argamassa de cal, e revestidas com reboco e estuque. As paredes de frontal a partir do primeiro piso são contínuas entre pisos e são ligadas ao vigamento dos pavimentos por peças de madeira colocadas na diagonal. Estas paredes para além de servirem de contraventamento das paredes de fachada funcionavam como elementos divisórios dos espaços interiores do edifício. (Mascarenhas, 2004)
As tipologias de fachada foram desenhadas paralelamente ao Plano de 1758 de forma a que se pudessem dar o início das obras de reconstrução, as propostas apresentadas na segunda Dissertação de Manuel da Maia onde os tipos de fachada seriam desenhados reforçando a hierarquia de ruas definida pela grelha de quarteirões seria seguida por Eugénio dos Santos nos desenhos finais das fachadas para as ruas principais acrescentando aos desenhos anteriores mais um piso. (Maria Helena Ribeiro dos Santos, 2000)
Basicamente estes tipos de fachadas apresentavam-se com cinco pisos, no piso térreo com vãos mais largos e com uma altura superior que nos restantes pisos de modo a instalarem o comércio, no primeiro piso com janelas de sacada, no segundo e no terceiro com janelas de peito em continuidade com as restantes e no quarto piso com águas furtadas colocadas de modo irregular. (Maria Helena Ribeiro dos Santos, 2000)
Estas tipologias de fachadas são classificadas segundo José Augusto França em três tipos principais designados por tipos A, B e C. Onde o ritmo e o tipo de vãos são idênticos variando apenas na pormenorização dos vãos e das suas cantarias, dependendo a sua aplicação segundo uma hierarquia de ruas de maior ou menor importância. (José-Augusto França, 1989)
O tipo A assinado por Eugénio dos Santos apresentava uma maior riqueza de pormenores, destinadas às ruas principais ou nobres que subiam do Terreiro do Paço em direcção ao Rossio, como por exemplo a Rua Augusta, da Prata ou do Ouro. Neste tipo de fachada as vergas das cantarias das portas e janelas eram recortadas e a do quarto piso apresentava uma cornija que se ligava à cimalha, ornamentada com uma peça de fecho. As peças de cantaria laterais desciam abaixo das pedras de peitoril simulando consolas. As janelas de sacada do primeiro piso possuíam um rodapé de ligação entre as cantarias do vão e uma faixa em pedra entre o primeiro piso e o segundo. Cada porta do piso térreo possui uma janela em bandeira e as águas furtadas são ornamentadas com aletas decorativas.
O tipo B menos rico em pormenores destinava-se às ruas secundárias perpendiculares às ruas principais ou paralelas, como por exemplo a Rua de S. Julião ou a dos Fanqueiros. Neste tipo de fachada as cantarias dos vãos já não são recortadas apresentando cantarias rectas. A pedra superior aos vãos de sacada e a pedra de fecho das cantarias dos vãos do último piso desapareceram, conservando a cornija ligada à cimalha e as peças de cantaria laterais que descem abaixo dos peitoris.
O tipo C destinava-se a ruas paralelas às ruas principais mas de menor importância por serem mais curtas e estreitas, como por exemplo a Rua dos Douradores. Neste tipo de fachada as janelas do primeiro piso são janelas de peito, as cantarias dos vãos são simplificadas a rectângulos enquadrando o vão e as cantarias dos vãos no piso térreo são também simplificadas.
Estes tipos de fachada podem também apresentar composições conjugando o tipo B e C, mas sem janelas de sacada, como por exemplo na Rua da Conceição ou de Santa Justa.
No Chiado o terramoto de 1755 destruiu grande parte dos edifícios mas como o processo de reconstrução realizou-se mais tarde que na Baixa, sobretudo a partir de 1780, foram alteradas algumas tipologias iniciais e surgiam novas composições das fachadas. Com os prazos a serem alargados e as pressões das encomendas da nova população do Chiado, a burguesia ascendente com um perfil social e económico diferente, vão introduzir uma nova tipologia de palacete com valores barrocos contrária à rigidez e austeridade das tipologias de fachada da Baixa.
Nos alçados existentes em arquivo na Câmara Municipal de Lisboa encontram-se alguns exemplares correspondentes a ruas no Chiado onde se pode observar que algumas tipologias iniciais foram mantidas, como por exemplo nos alçados da Rua do Carmo lado Poente e da Rua Nova do Almada lado Nascente que correspondem a uma tipologia de fachada A, adaptada à inclinação da pendente da encosta do Chiado.
A adaptação do desenho das fachadas à inclinação da encosta é executada com base na altura do pé-direito do piso térreo acrescentando em alguns casos uma sobreloja onde a cantaria do vão da loja e da sobreloja é um conjunto que apresenta múltiplas variantes. (Mascarenhas, 2004)
Na Rua Garrett o desenho do alçado do lado Norte apresenta uma composição de cinco quarteirões entre a Rua do Carmo e as casas do Mamposteiro Mor, actual Rua Nova da Trindade, seguindo o desenho urbano do Plano. Embora os quarteirões não tenham sido construídos segundo o Plano a composição dos alçados manteve-se com a repetição dos vãos e cantarias recortadas do primeiro piso para o segundo piso. Esta tipologia de fachada encontra-se também na Baixa em travessas de menor importância definindo topos de quarteirões que acompanham a composição de ruas principais ou secundárias.
Ao longo de dois séculos em função das alterações das necessidades da população o design das fachadas e o interior dos edifícios foram-se alterando principalmente ao nível do piso térreo. O comércio que se instalava no Chiado necessitava de espaços maiores de venda e armazenamento aumentando a sua área para caves, pátios ou logradouros alterando o desenho urbano e a estrutura original dos edifícios. A exigência de vãos mais rasgados com montras que disponibilizassem a mostra dos produtos em venda descaracterizavam a modulação dos vãos ao nível dos pisos térreos e os alinhamentos com os eixos dos vãos dos pisos superiores alterando a composição das fachadas pombalinas.
As fachadas tipo estrutura mista de betão e alvenaria
Com o incêndio em 1988 e uma parte da zona do Chiado destruída existia a necessidade da Câmara Municipal de Lisboa estabelecer um plano de intervenção sobre as fachadas dos edifícios devido à sua forte composição histórica, cultural e social.
A proposta para a recuperação das fachadas elaborada pelo Gabinete do Chiado propunha a substituição das estruturas de madeira por uma estrutura autoportante em betão armado onde as fachadas de alvenaria originais se mantêm no exterior por meio de ancoragens à estrutura do edifício. No caso das fachadas totalmente destruídas pelo incêndio a proposta incluía a reconstrução destas fachadas mantendo as características arquitectónicas originais ao nível da composição dos alçados no seu todo, confrontando as fachadas tipo do Plano de 1758, a aplicação tardia de regras pombalinas e as sucessivas alterações que os edifícios vieram sofrendo.
A construção da estrutura em betão armado inicia-se no piso da cave contendo as terras lateralmente e eleva-se aos pisos superiores ligada a elementos resistentes em betão armado localizados no interior das fachadas. Os núcleos centrais de comunicações verticais são construídos com paredes resistentes em betão armado localizados junto à fachada tardoz dos edifícios e toda a estrutura encontra-se interligada por um sistema de pórticos em betão armado.
Confrontando as sucessivas alterações que os edifícios sofreram com os alçados actuais podemos observar que por exemplo no alçado da Rua do Carmo manteve-se a composição dos desenhos de fachada de Eugénio dos Santos em 1758 repondo ao nível do piso térreo o alinhamento vertical dos vãos e enquadrando na sua composição o rasgar de uma abertura em túnel ao pátio no interior do quarteirão. Com o redesenho das fachadas Siza manteve a austeridade e rigidez do desenho dos vãos do Plano de 1758 eliminando do desenho os elementos decorativos acrescentados.
A composição dos alçados no Plano de Pormenor da Zona Sinistrada do Chiado apresentam também algumas inovações no que diz respeito aos alçados dos edifícios no interior dos pátios interiores. Com a redução da profundidade dos edifícios houve a necessidade de se desenhar alçados que não existiam anteriormente. A criação destes alçados por Siza seguiu o rigor e a sobriedade das composições pombalinas com janelas de peito com diferentes dimensões seguindo um enquadramento vertical e uma hierarquia entre pisos apenas interposta nas janelas dos vãos de escada desalinhadas horizontalmente das restantes, anunciando a presença de uma diferença de cotas no interior. Esta situação não ocorria nos desenhos dos alçados pombalinos quando os patamares se encontravam junto às fachadas dos edifícios, nestes casos os vãos mantinham-se alinhados horizontalmente pelos restantes.
As fachadas dos edifícios no Chiado fora do Plano de Pormenor mantêm maioritariamente as suas características pombalinas ou tardo pombalinas exceptuando alguns casos onde os edifícios foram demolidos e as suas fachadas substituídas por fachadas com uma linguagem moderna. Muitas destas fachadas foram sendo alteradas algumas ainda durante o processo de reconstrução com o acrescento de mais um piso sobre a cornija ou alguns elementos decorativos que foram acrescentados.
A construção de edifícios em diferentes épocas e as alterações que vieram sofrendo ao longo dos tempos são bastante notórias em certas ruas, como por exemplo no alçado da Rua Ivens. Juntamente com os acrescentos de mais pisos surgem varandas corridas por cima da cimalha e varandas no terceiro piso semelhantes às dos primeiros pisos ou intercaladas conforme cada proprietário o desejou. As águas furtadas são alteradas para mansardas elevando a altura da cumeeira ou são criados novos pisos acima das águas furtadas, alterações estas adaptadas às necessidades de cada proprietário. No piso térreo os vãos rasgados pelas lojas dão lugar por vezes a entradas de estacionamentos construídas em cave nos edifícios.
O desenho das fachadas actuais no Chiado reflecte uma flexibilidade a que durante séculos foram sendo sujeitos os edifícios ao contrário da rigidez e austeridade dos alçados do Plano de 1758, reflectindo no seu exterior a passagem de diferentes épocas e exigências diferentes por parte dos seus proprietários.
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